quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Trocada - Capítulo 1




Olhei para o espelho e senti uma admiração pelo vi diante dos meus olhos que não podiam acreditar naquela imagem. Sentia-me como uma rainha que logo assumiria o posto de mãe do povo. Mas não era um trono que me aguardava daqui a alguns instantes e sim um altar. Não era um rei que me esperava, era o meu futuro marido. O grande amor da minha vida. E eu não sabia como me cabia tanta alegria.

O vestido branco era feito de rendas cobertas de flores trançadas delicadamente no meu ombro e costas. Na cintura ele apertava ressaltando minha silhueta delicada. Na altura do quadril a saia repleta de camadas de seda e mais renda caíam fluidamente até roçar o chão. Em minhas mãos, pequenas luvas que iam apenas até o pulso, onde passava uma fita branca amarrada num fino laço.

Lágrimas se formaram nos cantos dos olhos amendoados, mas eu as reprimi para não manchar a maquiagem que Kiara tinha feito durante uma hora. Era leve, embora fosse um pouco mais marcada nos olhos.

“Não arruíne meu trabalho magnifico. Caso contrário, nunca mais dirija uma só palavra a mim.”
Olhei para cama de dossel que durante quase dezessete anos acalentou meus sonhos de menina ou secou as lágrimas quando meu pranto rolava sobre aqueles travesseiros. Evitei sentar com receio de que amassasse o vestido.
Passei a mão na colcha que por muitas noites me aqueceu quando o vento uivava no inverno. Caminhei até a porta da varanda. Inspirei o ar da última tarde de outono. No o sol já estava quase alcançando o chão. O cheiro das folhas secas dos pinheiros invadiam meus pulmões. Minha estação preferida sempre foi a primavera, mas há exatamente um ano, Dilan abriu seu coração e declarou o seu amor à mim nesta mesma varanda, numa tarde como essa.
Meu coração disparou com a lembrança, senti a felicidade inundar-me como um cálice de vinho sendo exageradamente servido.

Ouvi o ruído da porta sendo aberta e me apressei a retornar para o interior do quarto. Minha irmã gêmea havia voltado. Trazia na mão uma taça de água. Tomou um gole e soltou o mais inocente sorriso.

– Está pronta para se entregar ao seu grande amor no santíssimo sacramento do matrimônio? – disse caminhando em minha direção como um anjo.

– Você não sabe o quanto esperei por isso. – falei soltando um suspiro acompanhado de um sorriso bobo.

– Oh, não posso nem imaginar como é isso. – Ela disse pondo a taça na penteadeira, enquanto me virava de costas para ajeitar algum detalhe do vestido nas minhas costas. – Você tem muita sorte Maia. Dilan é um príncipe, o sonho de todas as mulheres.
– Eu sei, nem acredito que estou vivendo isso. Nunca imaginei que um dia nos casaríamos.
– Eu também, sempre achei que fossem só amigos, mas confesso que me enganei. – ela me virou e eu tive aquela familiar sensação de encarar um espelho vivo. Aquilo me assustou inexplicavelmente. Durante vinte anos e eu nunca tinha estranhado a nossa semelhança, mas agora me pareceu ter algo a mais.
– O que foi irmã? – perguntou parecendo preocupada. – Por que me olha deste jeito?

– Não foi nada, acho que estou nervosa. Cadê Sophia que não chega com mamãe? – perguntei ignorando aquele sentimento.
– Tome um pouco d’agua. Fará se sentir melhor. – ela me entregou a taça e eu tomei um gole, sentindo o líquido descer pela minha garganta enquanto ela se afastava de mim e caminhava até a porta. – Quanto a mamãe e Sophia, elas demorarão um pouco. Veja só, em vez de espalharem pétalas de rosas brancas no tapete vermelho, fizeram com flores de cravo. Um mau agouro, já que estas são flores de defunto. 

Eu a vi trancar a porta. Ela lentamente voltou até mim. Não, era ela que estava lenta, e sim a minha visão que parecia estar acompanhando uma câmera lenta. Comecei a notar que o mundo girava, e me apoiei no móvel.

– Já Sophia foi até o jardim colher algumas rosas azuis que lhe pedi – ela chegou até mim e me segurou antes que eu caísse no chão. Seu sorriso ainda era inocente. – Crianças são tão bobas. Pobrezinha! Sinto muito ter que fazê-la procurar por algo que dificilmente encontrará.

– Eu não estou bem... – eu disse parecendo embriagada.

– Oh, eu sei irmãzinha. Sente-se aqui! – Ela estava tão calma e me senti desconfortável, enquanto ela me levava até a cama. – Eu sei que você não bem, querida.

– O que... – a minha voz saiu cortada por que senti meu coração se apertar como se alguém o pegasse entre as mãos e o esmagasse. A taça caiu das minhas mãos trêmulas.

Olhei para o líquido espalhando-se pelo chão e um terrível pensamento me fez olhar para ela. Ela tinha um sorriso despreocupado e seus olhos brilhavam numa alegria contida. Infelizmente entendi o que havia ocorrido.

– O que... você pôs na... – eu tentei me levantar, mas apenas tombei para o lado sendo apoiada por ela mais uma vez.

– O que eu fiz? Ora Maia... – ela sorriu, agora não havia inocência alguma e seu doce rosto de anjo agora mais lembrava o de um demônio triunfando sobre a sua vítima. – Eu te dopei. Pensei que de nós duas você fosse a mais esperta, afinal, não hesitou em roubar Dilan de mim.

Quando abri a boca para perguntar o que ela quis dizer, as palavras saíram enroladas e indecifráveis.

– O que? Não entendi. – ela deu uma gargalhada sombria. – Agora vamos, não temos muito tempo.

Eu não aguentava mais sustentar o meu corpo e se não fosse ela me amparar, eu já estaria caída na cama, sem conseguir movimentar-me direito. Me esforcei para tentar me livrar do seu aperto, mas qualquer esforço era em vão. Ela retirou facilmente o vestido dos meus ombros. Focando-me em observa-la mais, notei o que eu estranha a poucos minutos antes. Ela estava igual a mim, não só no físico, ela usava a mesma maquiagem os mesmos brincos e o mesmo coque.

– Preciso corrigir um erro. Você merece um pequeno castigo por se intrometer onde não devia. – ela me deitou cama e retirou o seu vestido revelando o mesmo conjunto de lingerie. Ela puxou o meu vestido e se afastou de mim. O pôs diante de seu corpo e encarou o espelho com um brilho nos olhos de víbora. – Foi eu quem lhe ajudou a escolher, lembra?

Eu queria gritar, chamar por alguém. Mamãe, Sophia, ou até mesmo alguma criada. Mas eu não formava frases coesas, apenas palavras soltas. Senti fúria e tristeza tomar conta de mim. Que brincadeira de mau gosto. O que ela pretendia? Tomar meu lugar? Mas quando eu acordasse? Um frio me percorreu a espinha.

– Não ficou lindo em mim? – ela deu uma gargalhada, como se fosse uma bruxa. E completamente anestesiada a vi vestir o seu vestido em mim cantarolando alguma canção que eu não soube identificar.

Lutei para não fechar os olhos, mas meu corpo cada vez mais ausente. Eu não podia acreditar no que estava acontecendo. Aquilo devia ser um pesadelo. Eu acordaria a qualquer momento na minha cama. Eu iria me arrumar para o casamento. Dilan estaria me esperando no altar...

Notei que ela me carregava. Agarrei-me ao seu vestido, ou pelo menos foi o que eu pensei fazer, mas minhas mãos fracas não permitiram.

Notei que tínhamos ido para a varanda, uma luz alaranjada tomava o lugar. Ela me sentou num canto, encostando-me a parede, de modo que eu podia ver o sol sumindo no horizonte. Minha cabeça mole tombou para o lado, mas ela me proporcionou aquela bela imagem que o sol fazia.

– Eu não posso atrapalhar o nosso casamento. Seria um pecado contra tanto esforço e determinação de ambas as partes. Também não posso deixar que você acorde depois, daria no mesmo. Vou dizer que você se sentiu mal e se atrasaria para a cerimônia. Só depois irão notar. Aí será tarde.

Eu já estava quase inconsciente. Ela pegou um pequeno punhal e em seguida meu pulso. Senti uma picada quando o corte foi aberto, mas nada quando o meu sangue começou a jorrar sobre o vestido rosa bebê que ela vestiu em mim. Ele era tão claro, que a sua tonalidade beirava o branco. Eu o tinha escolhido com tanto carinho para ela usar no meu casamento. Também era de renda, mas era menos volumoso que o meu. Tinha apenas uma camada de véu sobre a seda e também era longo.

– Oh, não faça essa carinha minha pequena irmã. Esta troca é mais do que justa. Agora a tua vida é minha. E a minha morte é tua.

Outra vez fui tomada pela fúria. Dessa vez reuni minha última reserva de força e consegui olhar para o seu rosto de anjo. O meu rosto. Antes que meus olhos fechassem pela última vez, ouvi sua voz sussurrada próxima a minha face.

“Pode chorar agora irmã. Não ficarei zangada se arruinar o meu brilhante trabalho. Fiz especialmente para esta lágrima que rola no seu olho esquerdo.”



Continua...