Do alto da colina observo o sol descendo lentamente no horizonte longínquo. A
brisa leve mexe com as folhagens do campo de tulipas vermelhas até encontrar
as bochechas rosadas da minha face fazendo meus cabelos dourados
flutuarem como que por magia. Respiro o doce aroma das flores enquanto me
recordo dos momentos felizes que tive ali.
Há um ano venho a este lugar em busca de reviver aqueles breves instantes
que parecem tão próximos, mesmo estando tão distantes. As imagens vêm aos
meus olhos como se elas estivessem vivas ao meu redor. Ouço os risos e
quase me sinto inteira novamente. Sinto o toque de seus dedos macios
entrelaçados nos meus e o calor do seu corpo encontrando ao meu como se
fossem reais.
Deito-me na grama verde e macia enquanto avisto o céu azul preparando-se
para sua transformação diária. Ou devo dizer noturna?
Seria nesse momento em que nossos corpos estariam estendidos lado a lado
unidos pelas nossas mãos entrelaçadas e pela força mágica do nosso
amor.
Seria naquele momento em que ele viraria seu rosto belo e perfeito para
encarar os meus olhos com os seus dourados olhos. Ele diria da maneira mais sincera e
delicada “Amo-te minha flor!”. Eu lhe daria um sorriso tímido e verdadeiro e
responderia com todo o amor que guardava em meu peito: “Amo-te mais meu
anjo!”. Depois esperaríamos em silêncio no calor de um abraço a chegada do
pôr-do-sol como o casal de amantes que éramos.
Isso nos dias normais em que passamos juntos. Nas tardes infinitas em que
amamos intensamente. Mas naquela última tarde de primavera a rotina tomara
um novo caminho. As últimas lembranças que vivem em minha mente não são
aquelas que sempre achei que teria. Estas são mais dolorosas e tristes. Aquela
seria a última tarde que o veria. Fecho os olhos e deixo minha mente voltar
àquele pôr-do-sol .
Ele inclinou-se sobre mim e pousou seus doces lábios sobre os meus e me
envolveu num abraço que de imediato notei ser inquieto. Questionei-lhe o que
havia mudado e ele apenas secou minhas lágrimas.
– Terei de ir minha flor. – sua voz era um lamento.
– Para onde? – perguntei temerosa. Sentia meu coração se apertar numa
antecipação de dor.
– Para o lugar de onde não poderia ter saído. – ele não olhou em meus olhos.
– O lugar onde deveria estar conformado em permanecer.
– Sabes que o que dizes não é verdade. Não podes me deixar sozinha depois
de tudo que vivemos. De tudo que sentimos um pelo outro – o desespero em
minha voz crescia.
– Não posso mais ficar. Não posso nos condenar a uma semivida como a que
tenho a lhe oferecer. – sua voz era triste.
– Por quê? – era apenas um murmuro fraco, quase inaudível.
Com uma de suas mãos ainda agarradas a minha e a outra segurando o meu
rosto. Agora que estávamos sentados de frente um para o outro. Seu olhar
agora não estava mais baixo, ele estava firme preso nos meus.
– Porque te amo minha Flor – eu vi em seus olhos que ele precisava que eu
soubesse isso como se sua vida dependesse disso.
– Então não vá. Fique comigo! – enlacei seu pescoço com meus braços finos e
afundei meu rosto em seu ombro agarrando-me a ele com todas as minhas
forças – Daremos um jeito. Fugiremos para que não nos encontrem. Eu não me
importo de deixar tudo para trás.
– Não há como fugir. Eles virão e nos condenarão a separação para sempre. –
dizia enquanto me prendia em seus braços e enganchava seus dedos em meu
cabelo.
Eu já podia sentir o gosto salgado das lágrimas em minha boca. Eu queria
jamais sair dali. Ficar para sempre agarrada ao meu único amor. Pois eu sabia
que se o soltasse ele partiria e jamais retornaria para mim.
Eu senti seu corpo se mexer para me acomodar em outra posição para que
ficássemos em pé. Levantei a cabeça e me afastei o suficiente para poder
observa-lo e ver a tristeza inundando os seus traços suaves. A luz alaranjada
que nos envolvia mostrava que o tempo estava se esgotando. No horizonte o
sol já estava encoberto dando vida e luz para outro lugar no mundo.
– Não me deixe, por favor. – supliquei uma última vez ainda com meus braços
em seu pescoço.
– Rosaline. Minha flor. E minha vida, eu lhe prometo que sempre estarei ao teu
lado, mesmo que não... Possamos estar juntos... fisicamente. – as palavras
saiam entrecortadas. – Pois eu não suporto a ideia de nunca mais vê-la.
– Então me condenas a nunca mais vê-lo? – senti uma pontada de mágoa
subir a minha garganta.
– Não por muito tempo.
A noite já começava a cair sobre as nossas cabeças e eu podia sentir o fim
chegar junto com a escuridão. Olhei uma última vez em seus olhos que
brilhavam dourados e vi uma lágrima se desprender do canto do seu olhar
triste.
– Amo-te minha flor por todo o sempre. – E seus lábios pousaram sobre os
meus enquanto fechei os olhos e deixei-me entregar àquele sentimento.
Nossas bocas seladas num longo e doloroso adeus.
Não sei por quanto tempo ficamos assim. Alguns segundos, minutos ou uma
eternidade. Lembro-me apenas quando ele parou o beijo e lentamente abri os
olhos para não mais vê-lo.
Naquela época a frase ficou presa em minha garganta enquanto as lágrimas
transbordavam de meus olhos como se eu pretendesse encher um rio inteiro
com a minha dor.
Abri os olhos e agora eu estava de volta ao presente. O crepúsculo chegara
com aquela cor meio alaranjada, meio rosada formando riscos no céu como se
fossem fitas espalhadas na imensidão que antes era azul claro. Acima das fitas
as primeiras estrelas apareciam trazendo a noite.
De repente, não mais que de repente eu senti meu coração pular e eu
reconheci aquela sensação, pois a tinha sentido outras vezes mais noutra
época.
Olhei distante para o topo da outra colina que era um pouco mais alta do que a
que eu me encontrava. As mesmas palavras que ficaram presas em minha
garganta um ano atrás me encheram com a necessidade de pô-las para fora.
– Amo-te meu anjo. – falei tão baixo que ninguém se não ele pudesse ouvir.
No topo daquela colina estava o ser mais belo que já vi em minha vida. Nele
havia um brilho dourado que não vinha apenas dos seus olhos, mas também
do seu corpo. Como se a sua alma inteira se incendiasse por mim. Sobre os
seus ombros um lindo e majestoso par de asas brancas e imponentes batiam
formando uma brisa que chagava até mim com todo o carinho que só ele tinha.
Meu peito se encheu de alegria, pois ele cumprira o que prometera. Ele estava
ali ao meu lado. Mesmo que eu não pudesse vê-lo e tê-lo. Ele ainda me amava
e eu sempre o amaria.
A noite estava chegando e uma brisa leve chegou até mim enquanto ele batia
suas asas e se desvanecia à minha frente.
– Amo-te mais minha Flor.